O projeto Histórias de Elevador convidou diversos artistas para site specifics literários dentro da Mostra Sesc de Artes. Escritores e ilustradores se juntaram em duplas para a criação de textos e imagens para estampar as paredes dos elevadores de algumas unidades do Sesc-SP. O texto escolhido é o conto Louca dos gatos, de Clara Averbuck.
Planeta: Terra. Cidade, São Paulo. Como todas as metrópoles, São Paulo encontra-se hoje em um estado alarmante de trânsito insuportável. O trânsito devia inclusive ser rebatizado, porque uma das coisas que ele não permite é transitar. Tudo parado. As brancas de um lado e as vermelhas do outro, como sangue parado nas veias entupidas na cidade que abriga mais gente do que nela cabe. Gente demais. Em todos os lugares. No metrô, na selvageria das manhãs e tardinhas onde pessoas se apertam como frangos em uma granja superpovoada. Não cabe mais ninguém, meu senhor, não se mude para São Paulo, por favor. Eu mesma não sou daqui. Sou lá dos pampas, onde cabe gente. Agora sou daqui. Não; não sou de lugar algum.
Gostava de andar por aí à noite, quando todos dormem e outras vidas respiram. Cansei. Queria os dias, mas os dias aqui me sufocam. Gostava de andar na Paulista, agora a evito porque sempre há gente demais. Nas ruas há gente demais, atravessando na faixa , dentro dos carros, nos ônibus há gente demais e alguns rendem-se ao cansaço lá mesmo, deixando a marca sebosa no vidro sujo da janela. Nos parques, nos fins-de-semana, gente demais tentando se relaxar, passar um tempo com as crianças e os cachorros histéricos de apartamento. Nas estradas para a praia há gente demais tentando fugir do trânsito, as estradas também se entopem e é o mesmo sufoco de sempre. Ao meu lado há a Praça Roosevelt, primor do mau-gosto, concreto sujo com goteiras e pombos. Costumava haver um supermercado, mas fechou e os mendigos tomaram conta. Agora homens com marretas destroem parte dela diariamente, a partir das sete. E não há quem durma.
Não, eu não vou embora. Ninguém vai. Nem os bóias-frias e nem os publicitários, nem as domésticas e nem os atores de segunda ou as modelos de quinta. Todo mundo aqui. Alguns penando com saudade de casa. Outros sem casa, sem raiz, sem nada. Querendo vencer na vida. Meu amigo, vou te contar: descobri que não é aqui que se vence na vida. Não descobri como faz, acho que nem quero. Negózdi vencer dá muito trabalho. E os vencedores são sempre muito entediantes.
Gostava de andar por aí à noite, quando todos dormem e outras vidas respiram. Cansei. Queria os dias, mas os dias aqui me sufocam. Gostava de andar na Paulista, agora a evito porque sempre há gente demais. Nas ruas há gente demais, atravessando na faixa , dentro dos carros, nos ônibus há gente demais e alguns rendem-se ao cansaço lá mesmo, deixando a marca sebosa no vidro sujo da janela. Nos parques, nos fins-de-semana, gente demais tentando se relaxar, passar um tempo com as crianças e os cachorros histéricos de apartamento. Nas estradas para a praia há gente demais tentando fugir do trânsito, as estradas também se entopem e é o mesmo sufoco de sempre. Ao meu lado há a Praça Roosevelt, primor do mau-gosto, concreto sujo com goteiras e pombos. Costumava haver um supermercado, mas fechou e os mendigos tomaram conta. Agora homens com marretas destroem parte dela diariamente, a partir das sete. E não há quem durma.
Não, eu não vou embora. Ninguém vai. Nem os bóias-frias e nem os publicitários, nem as domésticas e nem os atores de segunda ou as modelos de quinta. Todo mundo aqui. Alguns penando com saudade de casa. Outros sem casa, sem raiz, sem nada. Querendo vencer na vida. Meu amigo, vou te contar: descobri que não é aqui que se vence na vida. Não descobri como faz, acho que nem quero. Negózdi vencer dá muito trabalho. E os vencedores são sempre muito entediantes.
Tudo acontecendo aqui. Vamos no show à noite? Vamos na exposição? Vamos tomar umas? Vamos ali? Olha, desculpe, não ando indo a lugar algum. Ando pelos corredores da casa não querendo sair, não querendo ver mundo algum lá fora. Protelo correio, protelo entregas de cessão de direitos autorais, protelo supermercado, não quero ver fila. Pago as contas na internet, apertando os olhos míopes e tentando não errar o código de barras. A grande procrastinadora da cidade cheia. Não; não vou embora. Quando vôo para algum outro lugar vejo a maçaroca de prédios e a capa de ar cinza e já sinto uma saudade antecipada. Não sei explicar do quê. Não sou daqui. Sou da minha casa. Com a minha música. Meus gatos. Meu namorado tocando violão bem alto. Serviços de delivery. Saudade de lugar algum.
* Clara Averbuck é escritora, cantora com calos nas cordas vocais, louca dos gatos e Mãe da Catarina
* Clara Averbuck é escritora, cantora com calos nas cordas vocais, louca dos gatos e Mãe da Catarina